quarta-feira, 24 de setembro de 2014

SCARLETT MARTON COM A PALAVRA

EUTANÁSIA: A FAVOR OU CONTRA?*
Por Scarlett Marton

A eutanásia tornou-se uma questão central nos debates de Bioética na atualidade. Em geral, distingue-se a eutanásia da ortotanásia e da distanásia. Por eutanásia entende-se a conduta médica que apressa a morte de um paciente incurável e em terrível sofrimento. Vista por alguns como um suicídio assistido, a eutanásia inscreve-se numa situação em que o paciente quer morrer, mas, por incapacidade física, não consegue realizar sozinho o seu desejo. Aliás, no seu sentido etimológico, eutanásia significa "boa morte".

Por ortotanásia designa-se a suspensão dos meios medicamentosos ou artificiais de manutenção da vida de um paciente em coma irreversível. E, por distanásia, aponta-se o emprego de todos os meios terapêuticos possíveis, inclusive os extraordinários e experimentais, num paciente terminal. Enquanto com a ortotanásia se aceita o processo natural de morrer, com a distanásia, pela obstinação terapêutica, se provocam distorções. Num caso, permite-se ao paciente ir ao encontro da morte; no outro, a ele se impõe um tratamento insistente, desnecessário e prolongado, sem nenhuma certeza de sua eficácia. Com a eutanásia, adianta-se a morte, atendendo à vontade expressa e manifesta do paciente, no sentido de evitar sofrimentos que ele julga insuportáveis ou de encurtar uma existência que acredita penosa e sem sentido.

Na antiguidade greco-romana, reconhecia- se o direito de morrer; era o que permitia aos doentes desesperançados pôr fim à própria vida, contando por vezes com o auxílio de outrem. Com o cristianismo introduziu-se a noção de sacralidade da vida, passando-se a concebê-la como um dom de Deus a ser preservado; foi o que levou à extinção das práticas dos antigos.

Ora, tomar a vida como bem supremo implica não só proibir categoricamente a eutanásia, impedindo o paciente de pôr termo a sofrimentos insuportáveis, como também aderir à distanásia, impondo a ele sofrimentos ainda maiores causados pelos tratamentos fúteis e pela obstinação terapêutica. Considerar a vida o direito primeiro da pessoa humana implica, também, que não se permita que tomem parte da discussão acerca da eutanásia todos os que são por ela afetados (além do paciente, os familiares e amigos, os grupos e segmentos sociais). E seria possível ainda argumentar que, em nossa sociedade, o "valor sagrado da vida" não evitou que se aceitassem as guerras, a pena de morte e a legítima defesa, sem falar no extermínio dos animais.

É preciso ainda notar que, ao defender "a vida a qualquer preço", adota-se um modo de pensar dualista, opondo-se a vida à morte. Privilegia-se um dos termos da oposição em detrimento do outro, dispondo-se a tudo fazer pela vida contra a morte. Excluindo-se o seu contrário, converte- se então o direito de viver em dever.

Defensores da eutanásia, por sua vez, argumentam em favor do direito de morrer. [...] O direito de morrer se basearia antes de qualquer coisa no princípio de autonomia. Toda pessoa tem o direito de tomar decisões acerca da própria vida; é capaz de decidir o que ela quer fazer e o que quer que outrem lhe faça. Não cabe, pois, à lei vir tolher tal direito nem limitar a sua liberdade; ninguém sabe melhor do que ela o que lhe convém. Este mesmo argumento valeria para o aborto provocado e para o suicídio; constituiria um desrespeito ao princípio de autonomia penalizar criminalmente quem decidisse provocar um aborto ou tentasse o suicídio. Assim, toda pessoa gozaria, dentre os seus direitos, do privilégio de dispor de sua existência em quaisquer circunstâncias, desde que, por livre e espontânea vontade, desistisse de viver. E ainda mais nos casos de doença incurável, acrescida de dores insuportáveis e sofrimentos inúteis.

Lançando mão do pensamento de Nietzsche, não seria desmedido dizer que é a vida, ela mesma, que, vencida, se reduz à sobrevivência, quando não suporta a doença nem tolera a dor. Dessa óptica, apressar a morte de um paciente incurável e em terrível sofrimento, atendendo à sua vontade expressa e manifesta, não equivaleria a tirar-lhe a vida, mas a abreviar-lhe a sobrevivência. [...] no quadro do pensamento de Nietzsche importa antes de qualquer coisa recusar todo e qualquer dualismo.

Num mundo marcado pela crise de valores, amplia-se o debate entre os que advogam o caráter sagrado da existência humana e os que defendem os seus aspectos qualitativos. Enquanto uns julgam que a medicina tem de estar a serviço da vida, outros entendem que ela deve prezar antes de tudo a pessoa. Daí, o impasse teórico em que nos encontramos hoje. Ou advogamos o valor sagrado da existência humana e acabamos atrelados a posições dogmáticas, que encerram a discussão em vez de promovê-la, ou então defendemos a qualidade de vida e, embora talvez mais aparelhados para refletir sobre questões que se impõem hoje nos debates de Bioética, como a da eutanásia, corremos o risco de engrossar o discurso das empresas de saúde.

Na sociedade em que vivemos, o ser humano que está à morte é tido por um insucesso. Nesta sociedade que preconiza a produtividade e o lucro, que prega a eficácia a qualquer preço, que promove o espírito de competição e a lógica da exclusão, o moribundo é visto como um malogro. Na nossa sociedade, a "cultura da morte" manifesta-se antes de qualquer coisa no descaso pela vida. E não me refiro aqui aos que morrem no âmbito médico-hospitalar, mas aos milhares de indivíduos a quem se nega o direito de viver. Refiro-me à morte imposta a todos aqueles que se acham abaixo da linha de pobreza.

É notável, pois, a discrepância entre a idolatria da vida de que se beneficiam alguns e a cultura da morte a que se condenam tantos.

Mas por que não perseguir a utopia de que, numa outra sociedade, todo ser humano teria assegurado o seu direito a uma morte digna, porque veria antes respeitado o seu direito a uma vida digna? 



* Este artigo, publicado na revista Ciência & Vida – Filosofia Nº38, Ed. Escala, foi aqui editado, por questão de espaço e maior compreensão em favor do tema abordado.

terça-feira, 6 de maio de 2014

A BARBÁRIE DA PÓS-MODERNIDADE

O ANIMAL EM NÓS

A existência humana demonstra-se, acima de tudo, como a luta pela sobrevivência, o que poderia até ser aceitável, uma vez que assistimos no espetáculo que a Natureza nos apresenta à grande e permanente guerra que é travada entre as várias espécies animais. No entanto, o que causa espanto (ou, pelo menos, deveria causar) é que a guerra dos humanos se dá entre os da mesma espécie – o homem contra o homem. Paira ainda sobre a humanidade a máxima “bellum omnium contra omnes” (guerra de todos contra todos), ou, como ficou mais conhecida na obra Leviatã, do filósofo inglês Thomas Hobbes, "Homo homini lupus" (o homem é o lobo do homem). Vivemos ameaçados por nós mesmos, uns contra os outros, numa guerra insana que faz suspeitar se somos mesmo seres da racionalidade e se esta tem verdadeiro poder sobre nossas ações e decisões. A barbárie que praticamente presenciamos todos os dias ou acompanhamos pela mídia em geral já bateu todos os limites do que denominamos absurdo. A violência avança não só nas grandes cidades, como era décadas atrás, ela se disseminou por toda parte, num índice sem precedentes. Não há mais como nos enganar – o inimigo mora dentro de nós.

Embora a História ponha em destaque apenas as duas Grandes Guerras e dê menor importância a muitas outras travadas da Antiguidade até aqui, provavelmente não há no mundo um único lugar (vilarejo, cidade ou região) que se possa encontrar sem qualquer vestígio de conflito humano – há, certamente, por toda parte, brigas entre duas ou mais pessoas, familiares ou vizinhos, ou entre grupos, famílias ou setores da sociedade. Como escrevi no artigo “Demasiado humano?” (revista Conhecimento Prático – Filosofia Nº29, ed. Escala), “Em algum recanto do mundo, neste instante, há um conflito, talvez grande ou pequeno, mas certamente sério o suficiente para nos pôr em alerta contra nós mesmos. O mundo jamais conheceu um único momento de verdadeira paz, em todos os lugares, ao mesmo tempo. Se a racionalidade ainda não foi capaz de instituir um contrato social baseado no respeito pela alteridade de indivíduos, povos e nações, e se o sentido de responsabilidade no homem, até o presente momento, não foi suficientemente rigoroso em firmar as bases de uma justiça social abrangente, então, tampouco, ou dificilmente, o ideal de felicidade poderá ser alcançado aqui na terra, a despeito dos avanços científicos, da melhoria na qualidade de vida, dos tratados filosóficos, da exortações religiosas e dos esforços dos homens de boa vontade que ainda existam por aí”. As leis são inócuas contra as desavenças humanas; as punições, ineficazes. Quando todos se acham com a “razão”, ninguém está a salvo!

Alguém disse certa vez que numa guerra a primeira vítima é a Verdade, eu diria, porém, que, antes dela, a vítima foi a Razão. Na verdade, a Existência em si é um palco multifacetado de conflitos; a Existência é em si mesma um “Grande Drama”, recheado de dramas menores. Já o disse Heráclito: Pólemos pánton patér (O conflito é o pai de todas as coisas). No homem, no entanto, era de se crer que esses dramas, a pouco e pouco, encontrassem desfechos razoáveis, e que alguns até pudessem ser evitados. Porém, o que se vê é um aumento galopante de sua perniciosidade e periodicidade. O bem e o mal são componentes inexoráveis da Existência e encontram no ser humano uma expressão inigualável, jamais possível de ser encontrada nas outras espécies animais, destituídas de raciocínio. A malignidade humana confere a certos atos de violência os chamados “requintes de crueldade”, de que só o homem é capaz. O holocausto perpetrado pelos nazistas contra os judeus é um dos exemplos maiores dela. Todos os anos, os cristãos revivem o martírio do Cristo na cruz, condenado pelos hebreus a sofrer tal morte, segundo as leis romanas de dois mil anos atrás. Tais fatos, assim como um bilhão de outros já ocorridos, relembrados de tempos em tempos, ainda não foram suficientes para causar uma reforma moral e existencial do homem. O sangue humano derramado até hoje sobre a Terra seria suficiente para manchar todos os nossos oceanos, mares e rios, se assim a Natureza (ou Deus, seja lá o que for) resolvesse deixar que acontecesse, para nos fazer lembrar quão sanguinários nós somos. Talvez assim, o medo ou a vergonha de nós mesmos nos fizesse parar de matar. Mas apenas “talvez”.

Aqui mesmo no Brasil, recorrentemente somos chocados com fatos que escapam à nossa capacidade de compreensão, atos criminosos, como o dos bandidos que atearam fogo numa dentista, somente porque ela tinha pouco dinheiro na conta bancária, e o dos que, aqui em São Luís do Maranhão, puseram fogo num ônibus cheio de passageiros, causando a morte de uma menina e queimaduras gravíssimas em pelo menos mais três pessoas. Não fica de fora desse ranking dos horrores as brigas entre torcidas rivais, nas quais torcedores de times de futebol diferentes não são apenas adversários no esporte, são verdadeiros inimigos, que, por isso mesmo, devem se matar mutuamente, antes, durante ou após as partidas. O caso mais chocante (para dizer o mínimo) foi o do torcedor do Sport Recife, atingido e morto por um dos dois vasos sanitários, atirados de cima da arquibancada, contra ele e os amigos que deixavam o estádio do Arruda em Recife, após a partida entre Santa Cruz e Paraná. A pergunta que nos vem logo de cara é “Que tipo de ser humano é esse, que arranca vasos sanitários de banheiros do estádio, para arremessá-los contra outros seres humanos, somente porque não concorda com a opção destes em serem torcedores de outro clube, e não é do seu?”. A resposta é simples: “Um monstro!” – o mostro que há em nós. Ou talvez “o animal”!

Na Europa, há tanto tempo já civilizada, alguma coisa ainda não desatrelou a errônea noção das raças superiores e inferiores, ou o pensamento retrógrado escravagista, da sociedade que estabeleceu e tenta zelar pelos Direitos Humanos. O racismo impera em estádios da Espanha, nos quais jogadores negros são chamados de macacos, denunciando que. em algumas sociedades europeias. há pelo menos indivíduos (esses agressores racistas) que ainda não atingiram o nível da civilização. O brasileiro Daniel Alves reagiu com espirituosidade quando, durante a partida de domingo (27/04) entre Vilarreal e Barcelona, pelo campeonato espanhol, um torcedor atirou próximo dele, dentro do campo, uma banana (numa evidente tentativa de referir-se a ele como “macaco”). Ele pegou a fruta atirada e comeu. Isso repercutiu controversamente nas redes sociais e nos jornais do mundo inteiro. Aqui no Brasil, um movimento autodenominado “somos todos macacos” apareceu em apoio ao jogador brasileiro, mas desagradou outras pessoas, que começaram a protestar contra a ideia de serem comparadas a macacos (houve até manifestações em favor dos macacos). O que diria Charles Darwin sobre tudo isso, se vivo fosse?

A barbárie é um fenômeno que às vezes demonstra-se sazonal, outras, endêmico. Ela às vezes parece que se autojustifica, outras, que é justificada pela população, ou por um certo número de pessoas. A barbárie não tem escrúpulos, não tem rosto, mas pode parecer justificável e até agradável para alguns (o que é inexplicável no ser humano, é inexplicável). Esse "inexplicável" encontra-se, por exemplo, no caso de uma dona de casa de 33 anos, de nome Fabiane Maria de Jesus, que foi torturada até a morte por dezenas de moradores, na noite de sábado (03/05), no bairro de Morrinhos, no Guarujá, litoral de São Paulo, somente porque um site postou um retrato falado de uma suposta praticante de magia negra que, também supostamente, costumava sequestrar crianças para fazer com elas rituais macabros. Sem pensar duas vezes, moradores próximos da residência da dona de casa, achando que ela fosse a mesma da foto, trataram de se livrar da “bruxa má”, linchando-a até desfalecer sem vida (e que o diabo se encarregasse do resto, devem ter pensado os justiceiros pós-modernos, ao estilo do que também devem ter pensado os algozes da Igreja, no tempo da Santa Inquisição).

Estaríamos todos muito mais seguros se houvesse de fato um animal selvagem à solta em nossa vizinhança. Escondido em tocas instintivamente buscadas, para atacar de surpresa qualquer um de nós que por perto dele passasse, ou então que pulasse os muros de nossas casas e as invadisse, nos fazendo ter que enfrentá-lo cara a cara, com seu olhar de fome de nossa carne e sede do nosso sangue. Se o nosso inimigo fosse esse animal selvagem fictício que descrevo e houvesse neste instante um em cada lugarejo que possamos imaginar no mundo, haveria certamente muitas vítimas deles – pelo menos uma em cada lugar, mas também sem dúvida ele seria dominado e capturado, de uma forma ou de outra. Infelizmente, meu relato é apenas um símile muito aquém da realidade. Não há nenhum animal solto pelas ruas, que se tenha notícia no momento (embora seja possível, mas ainda assim improvável e desinteressante para o mote deste artigo). Infelizmente, mais uma vez, o animal não está à vista ou escondido num covil ou toca. Curiosamente, ele está sob a guarda e a proteção daqueles a quem fatalmente irá devorar. O verdadeiro e real animal selvagem que é o protagonista deste nosso drama existencial real está dentro em nós, e, em vez de correr pelas ruas em busca de sua presa, ele se infiltra e se multiplica na multidão, e ali mesmo faz o seu banquete – a carnificina humana.

THE END, NO!
TO BE CONTINUED...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O FIM DO MUNDO EM WWW

ZEPELINS, ROLEZINHOS E BUNDAS

Só quem é alienado ou está com a vida tão bem resolvida que não liga para o mundo à sua volta não percebe que estamos vivendo tempos em que coisas sem precedentes estão ocorrendo, aqui no Brasil e fora dele. Para as bandas de lá, todo aquele rebuliço iniciado com a Primavera Árabe, em dezembro de 2010, e agora mais essa da Rússia com a Ucrânia, e a velha “Guerra Fria” querendo esquentar o panorama político mundial. E aqui no Brasil, todas essas manifestações “por tudo em toda parte”, desde julho do ano passado, que, ao que parece, encontrará seu ápice neste auspicioso ano de Copa do Mundo e Eleições. Tudo isso sob os auspícios da “todo-poderosa Internet”, que liga “todo mundo a todo mundo”, junta ideias desconexas, vomita (des)informação, elege celebridades do besteirol generalizado, denuncia preconceitos de todas as espécies, gera processos inimagináveis, etc, etc.

Eu, que não me enquadro em nenhum dos casos da primeira linha deste despretensioso artigo, também “dou minhas cacetadas” por aí. E, vez por outra, não resisto a "meter o bedelho" em uns disparates que não consigo deixar passar em branco. Vamos a alguns!
As manifestações contra a realização da Copa do Mundo aqui no Brasil, acusando o Governo de gastar bilhões com estádios de futebol, enquanto a situação de hospitais e escolas existentes é degradante, sem falar naqueles que não inauguram ou não funcionam, demonstrando o total descaso com a saúde e a educação neste país, encontram os ecos mais efusivos e desproporcionais, que jamais se poderia imaginar. Um exemplo disto encontrei na seguinte declaração: “E eu, aqui, torço para que o fêmur de Neymar seja partido em dois lugares diferentes uma semana antes do início da Copa, e que todos os filhos que ele teve e terá, que todos sejam pernas de pau”. O autor é Sr. Marcelo Mirisola que, no perfil do seu blog, se diz considerado pela crítica como “o Pedro Alvares Cabral da autoficção aqui em nossas plagas” (embora eu não saiba o que “isso” significa). O mesmo Marcelo, linhas abaixo, na mesma postagem no seu blog, em 08/04/14, acrescenta: “O Brasil não precisa de jogadores de futebol, precisa de pilotos de dirigíveis, engenheiros, médicos para reconstituir o fêmur do Neymar, e professores de cálculo para ensinar os netos do seu Neymar da Silva Santos (pai do Neymar Jr.) que é mais fácil um dirigível cair na cabeça do Felipão do que o futebol tirar do zero a zero a vida daqueles que não tiveram a sorte de nascer de um gol de placa do camisa 11 da seleção – isso antes de ele ter o fêmur partido em dois, claro”.

Ora, caros leitores, o que temos aí, senão a extrema distorção da maneira como se deve protestar, rechaçar ou simplesmente opinar contra um evento? Por que o pobre (riquíssimo, aliás!) Neymar deve ser o bode-expiatório de uma problemática nacional, que nada tem a ver com ele, senão no tocante à palavra “futebol”? Terá ele, no entanto, que ter o fêmur partido e os filhos, que porventura gerar, como “pernas de pau”, só porque o sr. Mirisola é um dos milhares de brasileiros que pretendem ter voz e vez contra o evento, mostrando que têm atitude crítica ativa e contundente? Tenham a santa paciência! Que um zepelim carregue esse senhor, e todos os que tiverem opiniões disparatadas como a dele, para longe de nós, amém!

Também aqui em terras tupiniquins, jovens da periferia das grandes cidades, reivindicando “seu direito de ir e vir”, por onde quiserem, inclusive dentro dos luxuosos shoppings, frequentados por “Mauricinhos e Patricinhas”, filhinhos e filhinhas de papai que têm e podem tudo, resolveram programar pelas redes sociais encontros que passaram a chamar de “rolezinhos”, os quais deixaram apavorados clientes, proprietários e seguranças das lojas desses shoppings, porque quase sempre concomitantemente com esses “rolezinhos” também aconteciam “arrastões” e “saques” em lojas de grife. Os defensores dos direitos das crianças e adolescentes, carentes ou não, assim como educadores e outros profissionais afins, que se pretendem de vanguarda, manifestaram-se em favor dos “rolezinhos”, enquanto os shoppings reforçavam a segurança, criando assim maior revolta na turba juvenil e junto a seus defensores adultos e formadores de opinião. Por sua vez, as autoridades estaduais e municipais se faziam cautelosas em se contrapor ou tomar qualquer providência, no sentido de evitar esses “legítimos e inofensivos encontros da rapaziada”. Não demorou muito para que em algum lugar, onde aconteceu esses “encontros juvenis”, surgisse um representante, uma espécie de líder desses jovens. Tal representante era, nada mais, nada menos que o jovem Lucas Oliveira Silva de Lima, de 18 anos, intitulado “o Rei do Rolezinho”. Porém, sua liderança não lhe rendeu apenas os 15 minutos de fama, na Internet e no raio de alguns quilômetros de seu bairro. Ela também foi a causa provável de sua morte.

Vejamos o que escreveu a Srª. Laura Capriglioni em seu blog, também na data de 08/04/14, sobre a morte desse “famoso” adolescente: “No chão do baile funk, ficou o corpo do menino Lucas Oliveira Silva de Lima, 18, o Rei do Rolezinho. O delegado José Lopes, do 64º DP, diz que o garoto morreu espancado. “Traumatismo craniano causado por instrumento contundente”. E acrescenta em tom de dor e de reconhecimento do “herói” que tinha um futuro brilhante e extenso pela frente”: “O “Cocão, menino do morro”, como se denominava, tinha 57.480 seguidores no Facebook, a maioria garotas. Era um ídolo. Orgulhoso, assumia suas origens. Escola: Favela. Moradia: Itaquera, zona leste”. A autora do blog lembra, em tom de desabafo, os primeiros “momentos de glória” do rapaz: “Em janeiro, Lucas tornou-se celebridade, depois de organizar um rolezinho no Shopping Itaquera, vizinho de sua casa, na favela da Vila Campanela. Três mil adolescentes participaram, cantando as letras desafiadoras do funk. A polícia interveio com bombas de gás”.

Muito bem, me pergunto “quem foi esse jovem Lucas? Um arruaceiro, um mártir juvenil ou uma pobre vítima de uma sociedade cujos valores há muito se perderam?”. Concluo, sem muita dificuldade, que nossa sociedade tateia às escuras, não apenas destituída de qualquer valor moral ou social, mas também como triste produtora de valores idênticos a moedas de ouro falsas – que conseguem por algum tempo ludibriar os incautos e fazer negócio, mas logo são descobertas e descartadas, elas como lixo e seus fabricantes como escória da sociedade. Penso que a juventude deve ter, sim, seu direito de ir e vir preservado e garantido, mas deve também exercê-lo não com “libertinagem” e ao “bel-prazer”. Muitos adolescentes (muitos mesmo!) engajam-se em manifestações e eventos considerando apenas a oportunidade de “ter diversão a qualquer custo”, e desconsiderando que o mundo (resumido à sua cidadezinha ou a seu pobre bairro, que seja) está longe de ser um parque de diversões.

O espaço público deve ser pensado com sendo “meu” e “não meu” – quase um paradoxo, mas não é – pois isso significa (ou, pelo menos, deveria nos fazer lembrar) que há um “contrato social” que nos faz apenas “sócio” desse espaço comum e que, portanto, prevê que há outros que precisam “concordar” com o tipo de uso que fazemos desse espaço. Desconsiderar essa “cláusula” é ferir esse “contrato”, o que faz de qualquer cidadão, não importando sua idade ou classe social, um “infrator” dos direitos sociais já conquistados e simbolicamente acordados, quando fazemos parte de uma comunidade. Para que um evento seja considerado inofensivo e pacífico é preciso que se demonstre nos fatos reais, observáveis; em suas consequências imediatas e posteriores. Enxergar a juventude deste país apenas como carente de oportunidades e esquecida pelas autoridades, em suas instâncias municipais, estaduais e federais, é perceber apenas uma das facetas de uma triste realidade. As razões, que se tornam causas efetivas nos eventos reais, precisam ser analisadas e também corrigidas, não apenas glorificadas para justificar seus efeitos.

Por último, mas não por fim, temos ainda o caso do professor de Filosofia que também queria os seus 15 minutos de notoriedade nacional, e conseguiu. Na prova que elaborou para alunos do Ensino Médio de uma escola em Taguatinga, no Distrito Federal, incluiu uma questão em que citava a cantora de funk, Valesca Popozuda, famosa mais pela protuberância que traz entre suas costas e suas coxas do que propriamente por suas “produções líricas” (que ela e seus admiradores insistem em chamar de “música”), como “grande pensadora contemporânea”. O nome do professor? Antonio Kubitschek, isso mesmo, Kubitschek! Apesar de toda a polêmica que sua questão produziu, ele ainda se fez hábil em argumentar, numa entrevista para a rádio Band News FM, dizendo o seguinte: “Se eu tivesse colocado Chico Buarque como grande pensador contemporâneo, não teria causado polêmica nenhuma”.

O Sr. Kubitschek, ao que parece, não vê qualquer diferença entre as “letras e melodias” buarquianas e as da Popozuda, o que me faz duvidar duplamente de suas concepções: será que ele sabe o que é música? Será que ele ao menos suspeita o que seja Filosofia? Como se tudo isso não bastasse, ainda encontrei pela Net esta “bela argumentação” da professora Bruna Mitrano, da rede pública do município do Rio de Janeiro, que parece aliar-se ao pensamento do professor Kubitschek: “Nada contra a Popozuda, já usei letras de funk em aula. A polêmica com a Valesca ficou no epíteto “grande pensadora contemporânea”. Pensadores todos somos, contemporâneos também, mas quem julga o que é grande?”.

O que temos aí, caros leitores? Professores inseridos em seus contextos socioculturais, tentando “falar a língua” dos seus jovens alunos, ou, visto por outro ângulo, a comprovação de que, em vez de certos educadores tentarem elevar o grau de qualidade cultural dos nossos jovens, utilizam-se do “lixo” que está aí, entrando pelos ouvidos, destruindo os miolos de jovens e adolescentes, à força da massificação midiática, radiofônica, televisiva, etc, etc, para se tornarem “o professor queridinho dos seus alunos”? Comparar Valesca Popozuda a Chico Buarque, como sendo ambos “grandes pensadores contemporâneos”, ou usar letras do funk, para atrair o interesse dos alunos pelas aulas, denunciam por si mesmos a péssima qualidade da Educação, que passa não só pelo descaso dos governantes, mas também por dentro e por fora das escolas – no seu entorno, nas diretorias, nas salas dos professores, na sala de aula –, enfim, onde quer que se pretendesse “respirar” conhecimento, educação e cultura.

O problema não está no funk! Poderia ser o rock, o samba, o pagode, ou qualquer outro estilo musical. É preciso perceber a problemática em sua inteireza, embora esteja nos detalhes o ponto crucial. Se uma música, seja qual for seu estilo, faz apologia ao uso de drogas, ao tráfico de drogas, ao estupro, à ostentação, à pedofilia, à violência, ou coisas do gênero, como eu, professor, posso utilizar tal música como ferramenta de transformação sociocultural dos meus alunos (já que essa é uma das funções básicas da Educação)? Similarmente, qual a utilidade de fazer referências aos propagadores dessas letras e melodias e ainda lhes conferir “epítetos” que os valorizam ainda mais diante dos seus jovens admiradores? Fazendo assim, ao invés de conduzir nossas “pobres ovelhas” ao pasto, estaremos levando-as exatamente para o covil dos lobos. Será isso mesmo que queremos?

Como vemos, caros leitores, vivemos momentos difíceis até mesmo para a reflexão. Sobreviver entre tantos “manifestantes”, “líderes de classes sociais”, “filósofos”, “pedagogos”, “blogueiros”, “pensadores”, “formadores de opinião” e outros “bichos-de-sete-cabeças” (ou nenhuma), não tem sido uma tarefa tão simples quanto outrora. Tudo isso me leva a enxergar um quadro sombrio bem à nossa frente. Talvez por isso mesmo, esta noite, tive um terrível pesadelo: sonhei que a 3ª Guerra Mundial se realizava no Universo WWW. Um vírus letal destruíra nossas ideias, nossos pensamentos, nossas mensagens, nossas imagens e tudo mais que tenhamos postado nas redes sociais, enviado por e-mail e compartilhado com os que concordam (as forças aliadas) ou não (as forças inimigas) conosco. Nosso “day after” era ainda mais terrível. Nenhum zepelim nos vinha resgatar de nossas insignificâncias, ninguém tinha força ou vontade para participar de um “rolezinho” qualquer, não havia mais escolas ou qualquer instituição de educação, não sabíamos mais distinguir o som produzido por uma orquestra de um barulho qualquer. E quando parecia que nada mais restava sobre a face da Terra, apareceu, na tela dos nossos computadores e afins uma imensa bunda, que crescia assustadoramente na tela até nos “devorar” a todos. Nem mesmo tivemos tempo de compreender que aquela bunda descomunal era o que sempre foi posto para nós como a coisa mais “sagrada e misteriosa” de nossas vidas – aquela bunda monstruosa era “Deus”. Felizmente (ou não!), eu acordei e disse para mim mesmo: “Eu tive um pesadelo!”.

quinta-feira, 6 de março de 2014

QUANDO O GALVÃO NÃO É "BUENO"

ELE NÃO NARROU O GOL DO OSCAR

“O narrador da Globo, Galvão Bueno, ignorou o primeiro gol da Seleção Brasileira em amistoso contra a África do Sul. Em vez do grito de gol, seguiu lendo um recado para a participação do "amigo internauta" na transmissão, irritando os telespectadores.” – Fonte: Yahoo Notícias (e segue):
"[...] ele narrou, de forma tímida, e atrasada, já com os jogadores comemorando. "O Brasil chega a 1 a 0 logo no princípio de jogo, aos nove minutos, Vamos rever com calma”."
“Até a vinheta da Globo entrou tardiamente por conta do que erro grosseiro do narrador, que depois se desculpou com os telespectadores. "Peço perdão, porque me fixei ali na mensagem que pedia pro telespectador. Vamos rever com calma...".”
"A posição era legal. Confesso que quando peguei a imagem pensei que fosse ser marcado impedimento, mas eu peço perdão a todos os telespectadores do Brasil inteiro. Repito, peço perdão pela falha", voltou a se desculpar Galvão.”

A última partida da seleção brasileira de futebol antes da Copa do Mundo no Brasil foi nesta quarta-feira de cinzas (05/03/14), na África do Sul. Uma data meio ofuscada pelo último dia de Carnaval, mas bastante comemorada pela FIFA, que promoveu, simplesmente 51 partidas em todo o mundo, e, no caso especial da partida entre África do Sul e Brasil, uma homenagem ao líder sul-africano Nelson Mandela, falecido no final do ano passado.

Bem, o que realmente me levou a escrever esse artigo, se não sou técnico nem jogador de futebol; não sou comentarista nem narrador esportista? Ora, não é novidade que a mídia, seja ela noticiosa ou esportista, atualmente apela para o lado sensacionalista, buscando fisgar o maior número de pessoas que levam mais em consideração a “quantidade” do que a “qualidade” da notícia. Assim, a Globo, com sua equipe “de ponta”, não trabalha para oferecer uma transmissão de má qualidade, em qualquer aspecto (pelo menos, é o que se pensa!): Ela quer ser a “number one”! Mas isso nem sempre dá certo!

Pois bem! O que me levou a escrever esse artigo foi o fato de, além de ser interessado pelo futebol brasileiro (sobretudo sobre a nossa seleção), também sou um criterioso observador. E o que eu tenho a destacar, como observador que sou, foi a falha de Galvão Bueno, ao não narrar, como de costume, o primeiro gol da seleção, nessa partida. Isso porque ele não estava narrando o jogo – estava, na verdade, convocando os telespectadores/internautas a darem sua participação (como se lê acima, nas “Notícias do Yahoo!”.

O fato interessante é que Galvão Bueno, percebendo a sua falha, tenta por várias vezes se desculpar com o telespectador, talvez nem tanto por respeito ao público, e, sim, porque perdeu a oportunidade de narrar (com todos os “erres” que lhe são peculiares) o primeiro gol, na última partida amistosa do Brasil antes da Copa.

Minha mulher, que nem torcedora é de futebol, sempre que tem a oportunidade de estar na sala, assistindo comigo a uma partida, assim que percebe que há muita “falação” (como ela diz) e pouca narração” do jogo, como deveria ser, diz que isso só acontece quando o jogo está “desinteressante”. Pois acho que foi isso mesmo! – o jogo entre África do Sul estava tão desinteressante ( para não dizer “ruim”), que o narrador (Galvão Bueno) resolveu se dedicar á chamada da audiência e da participação dos telespectadores-internautas, e acabou levando um “gol de placa”.
Enfim, o jogo acabou em África do Sul 0 X 5 Brasil. Então, falemos sério (não é, Galvão?): nessa inusitada quarta-feira de cinzas, teve coisa mais “desinteressante” do que isso?!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

DECLARAÇÃO NIETZSCHIANA


O CONHECIMENTO DAQUELE QUE SOFRE


O filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche foi sobretudo um combatente de sua própria vida e filosofia. Em seu livro "Aurora", destaca-se o tópico 114 intitulado "O Conhecimento daquele que sofre", onde podemos vislumbrar uma auto-observação sobre si mesmo e as dificuldades existenciais por que passou.
Abaixo, transcrevo na íntegra o texto original encontrado naquela obra.


A condição das pessoas doentes, durante muito tempo e horrivelmente torturadas pelo sofrimento, mas cuja inteligência, apesar disso, não se perturba, não deixa de ter valor para o conhecimento — sem falar até dos benefícios intelectuais que trazem consigo toda solidão profunda, toda libertação súbita e lícita dos deveres e dos hábitos. Aquele que sofre profundamente, encerrado de alguma forma em seu sofrimento, lança um olhar gélido para fora, sobre as coisas: todos esses pequenos encantamentos enganadores em que habitualmente se movem as coisas, quando são olhadas por alguém saudável, desaparecem para ele: ele próprio permanece envolto em si, sem encanto e sem cor. Supondo que viveu até aqui em qualquer perigoso devaneio, o supremo chamamento à realidade da dor constitui o meio de arrancá-lo desse devaneio: e talvez seja o único meio. (É possível que o fundador do cristianismo tenha feito esta experiência na cruz, pois as palavras mais amargas que já foram pronunciadas “Meu Deus, por que me abandonaste?” encerram, se interpretadas em toda a sua profundidade, como se tem o direito, o testemunho de uma completa desilusão, a maior clarividência sobre a miragem da vida; no instante do sofrimento supremo, Cristo se torna clarividente acerca de si mesmo, precisamente como foi também, segundo conta o poeta, esse pobre Dom Quixote moribundo). A formidável tensão do intelecto que procura se opor à dor ilumina com isso tudo o que diz respeito a uma nova luz: e a indizível atração que sempre exercem todas as novas iluminações é muitas vezes bastante poderosa para resistir a todas as seduções do suicídio e para fazer parecer realmente desejável para aquele que sofre a continuação da vida. Pensa com desprezo no mundo vago, quente e confortável, onde o homem saudável vive sem escrúpulos; pensa com desprezo nas ilusões mais nobres e mais caras que outrora ele próprio partilhava; sente verdadeiro prazer ao evocar de qualquer maneira esse desprezo, como se viesse das profundezas do inferno, infligindo assim à alma os mais amargos sofrimentos: é por esse contrapeso que consegue resistir à dor física — sente que agora esse contrapeso é necessário. Com uma impressionante lucidez sobre sua própria natureza, exclama: “Sê uma vez teu próprio acusador e teu próprio carrasco, toma teu sofrimento como uma punição que ti próprio infliges! Goza de tua superioridade de juiz; melhor ainda: goza teu belo prazer, tua arbitrária tirania! Eleva-te acima de tua vida como acima de teu sofrimento, contempla a fundo as razões e as desrazões!” Nosso orgulho se revolta como nunca antes: sente uma atração incomparável para defender a vida contra um tirano como o sofrimento e contra todas as insinuações desse tirano que gostaria de nos levar a testemunhar contra a vida — a representar a vida justamente diante do tirano. Nesse estado nos defendemos com amargor contra toda espécie de pessimismo, para que este não apareça como uma conseqüência de nosso estado e nos humilhe como vencidos. Nunca a tentação de ser justo nos juízos foi maior que agora, pois agora a justiça é um triunfo sobre nós mesmos e sobre o estado mais irritável que se possa imaginar, um estado que escusaria todo juízo injusto; — mas não queremos ser desculpados, queremos mostrar agora mesmo que podemos ficar “sem mancha”. Passamos por verdadeiras crises de orgulho. — E agora aponta a primeira aurora de apaziguamento, de cura — é quase o primeiro efeito com que nos defendermos contra a preponderância de nosso orgulho: consideramo-nos então patetas e vaidosos — como se nos tivesse acontecido qualquer coisa de único! Humilhamos sem reconhecimento a altivez todo-poderosa que nos fez suportar a dor e reclamamos com violência um antídoto contra a altivez: procuramos tornar-nos estranhos a nós próprios, despersonalizar-nos, pois a dor nos tornou por muito tempo pessoais com violência. “Longe de nós essa altivez, exclamamos, ela era uma doença e uma crise forte demais!”. Olhamos novamente os homens e a natureza — com um olhar de desejo: lembramo-nos, sorrindo com tristeza, que temos agora a respeito deles certas idéias novas e diferentes daquelas de outrora, que um véu caiu. — Mas como nos reconforta rever as luzes temperadas da vida e sair desse dia terrivelmente cru, no qual, quando sofríamos, víamos as coisas e através das coisas. Não nos encolerizamos se a magia da saúde recomeça seu jogo — contemplamos esse espetáculo como se estivéssemos transformados, calmos e cansados ainda. Nesse estado não se pode ouvir música sem chorar.